quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Contra todas as advertências e expectativas sobre a resistência e a capacidade que o pequeno Chevrolet teria em conseguir transpor os obstáculos que encontrou pela frente, lá chegámos ao Namibe graças sobretudo à perícia de condução dos nossos produtores. Esse sempre foi aliás o meu maior receio antes e depois de partir para África, o facto de não conhecer devidamente a equipa com quem me ia enfiar dentro de um carro durante cerca de um mês para atravessar África de Angola à Contra Costa. A noite caía rápido algumas dezenas de quilómetros antes de chegar ao Namibe, quando alguém nos avisou que teríamos de voltar para trás porque uma ponte tinha caído recentemente durante a estação das chuvas. Já bem cansados e com a expectativa da meta à vista tornava-se bem mais difícil de segurar o moral. Tínhamos mesmo de voltar para trás e conforme as indicações, seguir já de noite durante largos quilómetros por um desvio sobre pistas de pedras e areia sobre o deserto do Namibe, passámos por vários jeeps parados com pneus furados, uma família com o carro atolado montava um abrigo à luz dos faróis, para ali pernoitar junto dos trilhos de areia que se iam abrindo com a passagem dos jeeps. Com sorte escolhemos o trilho certo. Chegamos à antiga cidade de Moçâmedes onde Capelo e Ivens teriam organizado a sua comitiva de guias e carregadores que os acompanharam atravessar África a pé até do Atlântico até ao Índico.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Depois de Benguela o caminho mais curto pelo mapa até ao Namibe, seria pela estrada do litoral, cujo asfalto termina pouco depois de Benguela e daí segue por atalhos e desvios, por montes e vales desérticos atravessando pequenas povoações de pescadores por uma costa de praias e falésias arenosas infindáveis e quem sabe até com baías de água cristalina e ondas perfeitas ainda por descobrir. Essa era a via que eu gostava de ter feito mas impensável para o nosso pequeno chevrolet citadino. A estrada transitável para sul é só uma, a que segue por Chongoroi, pelo interior até ao Lubango e depois ruma a oeste desce as curvas da Serra da Leba e daí até ao Namibe segue por uma planície na mesma cota do mar. Depois de Chongoroi afinal a dita via transitável pelo interior, a seguir à estação das chuvas deixara de o ser. Há muito que o asfalto tinha sumido, havia vestígios de antigos marcos de estrada, de bermas empedradas e protecções em cimento como as que vemos na estrada marginal entre Cascais e Lisboa a mais de um metro de altura do nível onde hoje os camiões escavam na lama um novo rodado. Vários foram os que paravam para nos avisar de que a estrada não estava transitável para o pequeno Chevrolet sem tracção total, mas se os Kupapata ou mesmo alguns candongueiros passavam nós também havia-mos de passar.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

São cerca de 180 quilómetros de Benguela a Chongoroi, uma pequena povoação onde,quando há gasolina na bomba se pode abastecer oficialmente, se não houver, há sempre quem sabe de alguém que arranja gasolina clandestina em jerry-cans cor de laranja ao dobro do preço. Também aqui se pode pernoitar no "cavalo preto" um tasco com alma bem Portuguesa, vendem-se cachorros e bifanas em papo secos, sagres e superbock, há posters e galhardetes pendurados do benfica, os quartos ficam por cima como no oeste, o tasco enche com a paragem das camionetas que vão para o Huambo , para Benguela ou para o Lubango, para logo ficar vazio até que chegue a próxima carreira. Até ao Lubango falta a outra metade do caminho, e outro tanto até ao Namibe. Daqui para frente a estrada que se vinha revelando como uma boa surpresa tornar-se-ia uma verdadeira prova de resistência.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Na manhã seguinte deixamos Benguela ainda cedo, apetecia ter estado um pouco mais, fiquei com a sensação de poder viver ali, tudo me parecia muito familiar, a arquitectura popular do sul de Portugal construída até meados do século XX transplantada para o centro de uma cidade tropical e a arquitectura típica dos anos 60 dos novos bairros periféricos de Lisboa, que marcam ali também perfeitamente as áreas de implantação da habitação que serviu o grande êxodo dos Portugueses para África por essa altura. As construções de tons pastel agora despintados mas neste caso particular quase intactos, sem nada que se tenha erguido por perto que perturbe o enquadramento faz-nos em cada quarteirão viajar no tempo. Sem mais nostalgias esperavam-nos algumas boas centenas de quilómetros por estradas que nunca se sabe bem ao certo se chegam ou não ao Namibe, antiga cidade de Mocâmedes bem no sul de Angola. Pelo caminho não há tempo para paragens, menos ainda para desenhos que só seriam passados para o papel depois de gravadas na memória visual as imagens das cantinas de beira de estrada, dos embondeiros e dos Kupapata que passavam ao lado com ou sem clientes no selim da motocicleta.